Explicando João 14.2
Tenho percebido, quando estou no templo ouvindo uma pregação ou mesmo visualizando as minhas redes sociais, que alguns pregadores e pastores interpretam erroneamente a passagem do Evangelho de João capítulo 14 e versículo 2. Confesso que eu também já interpretei equivocadamente tal versículo. Porém, depois de fazer uma análise gramatical do versículo em questão, além de estudar o mínimo, para não dizer o ínfimo (risos!), da cultura hebraica, deparei-me com a real interpretação do mesmo. Quanto mais simples uma passagem bíblica parece ser, mais tempo exigirá de quem se dispuser a interpretá-la!
1 ANTES DE PROSSEGUIRMOS, É BOM SABER...
O versículo bíblico sob análise diz: "Na casa de meu pai há muitas moradas. Se assim não fora, eu vo-lo teria dito. Pois vou preparar-vos lugar" (Jo 14.2 - Almeida Revista e Atualizada).
A tradução, de acordo com o original grego, ficaria assim: "Em a casa do meu Pai muitas moradas existem; e se não, teria (eu) dito a vós que vou preparar lugar para vós?"¹ Tornando a tradução mais compreensível, de acordo com o português brasileiro, temos: Na casa do meu Pai há inúmeras moradas. Se assim não fosse, eu teria dito a vocês que vou preparar-vos lugar? Nesse caso, temos uma afirmação — Na casa do meu Pai há inúmeras moradas —, seguida de uma pergunta retórica — Se assim não fosse, eu teria dito a vós que vou preparar-vos lugar? É lógico que, por ser retórica, tal pergunta exige um não como resposta. O apóstolo Paulo também se valia de perguntas retóricas em seus escritos. Em sua Carta aos Romanos, capítulo 8 e versículo 31, escreveu: "Se Deus é por nós, quem será contra nós?". A resposta óbvia é: ninguém. Era exatamente isso que o doutor dos gentios desejaria ouvir como resposta à sua pergunta retórica. Em outras palavras, ele quis dizer, em tom afirmativo: Se Deus é por nós, ninguém será contra nós. O mesmo ocorre com João 14.2.
2 COMPREENDENDO JOÃO 14.2
A partir da cerimônia de lava-pés dos discípulos, antes da última Páscoa que comemoraria com eles, Cristo transmitiu um longo sermão (Jo 13 a 17), encorajando os seus seguidores a permanecerem firmes no que aprenderam Dele, haja vista estarem eles tristes e preocupados, já que aproximava-se o dia da Morte, Ressurreição e Ascensão (ao céu) do Mestre deles. Daí Ele ter dito: "Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim" (Jo 14.1 - ARA). E prometeu enviar-lhes o outro Consolador (v16) e, em seguida, regressar para eles (v18). É dentro desse contexto que se encaixa o versículo analisado: Jo 14.2.
2.1 "Na casa de meu pai há muitas moradas."
Cristo não errou. Certamente há casas suficientes para aqueles que hão de herdar a Nova Jerusalém.
2.2 "Se assim não fora, eu vo-lo teria dito."
"Se assim não fora" o quê? Se não fora verdade o que Cristo disse anteriormente (que na casa de Deus Pai há diversas moradas), Ele teria dito (que não era verdade). Considerando que o termo vo-lo é a combinação de dois pronomes — o vo, correspondente a "vos", e lo, correspondente a "isto" —, tal expressão poderia ser traduzida assim: "Se assim não fora, isto eu vos teria dito", onde isto está ligado à frase anterior mais próxima ("Se assim não fora") e vos é o mesmo que a vós ou a vocês. Observe que, em qualquer tradução bíblica, não existem dois pontos depois dessa expressão, como queiram alguns intérpretes bíblicos, como se o Mestre tivesse dito: Se assim não fora, eu vo-lo teria dito: "Vou preparar-vos lugar". O nome disso é eisegese, por meio da qual o leitor insere no texto sacro o seu pensamento/ideia, ao contrário da exegese, em que o leitor extrai do texto sacro o pensamento/ideia do autor do tal texto.
2.3 "Pois..."
É a conjunção explicativa pois que resolve toda a problemática em torno do versículo 2 de João 14. Jesus explicou a expressão anterior ("Se assim não fora, eu vo-lo teria dito"). Experimente trocar pois por porque, a saber, uma vez que, na verdade etc. e perceberá que o sentido do versículo não se alterará. Veja um exemplo: "Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fora, eu vo-lo teria dito. Uma vez que vou preparar-vos lugar." E o que quer dizer a expressão "vou preparar-vos lugar"? É o que veremos adiante, com a ajuda de Deus.
2.4 "vou preparar-vos lugar"
Por "vou preparar-vos lugar" Jesus quis dizer vou prover moradia para vocês/vou providenciar habitação para vocês. Os salvos habitarão para sempre com o Senhor (1Ts 4.17).
Comparando o casamento do Cordeiro e Sua Noiva com o casamento hebraico, o pastor e teólogo especializado em assuntos escatológicos, Joá Caitano, afirma que
Segundo a tradição hebraica, na maior parte das vezes, o pai dizia ao seu filho com qual moça ele deveria se casar; de outra parte, a jovem teria o marido escolhido por seu pai (1Sm 18.17-28). Em outras ocasiões, no entanto, o rapaz poderia contrair matrimônio com a moça por quem se interessasse (Jz 14.1-3). A partir de então, a proposta de casamento era feita — por meio de um contrato (legal e verdadeiro), no qual se estabeleciam os termos de acordo. O mais importante a ser considerado na transação era o preço que o noivo estava disposto a pagar para desposar aquela noiva em particular (Gn 34.12).
Depois de firmado o contrato, o noivo pagava o valor estipulado e, depois, partia. Historiadores informam que o noivo deveria fazer um breve discurso à noiva, dizendo: eu vou preparar lugar para você (Jo 14.2). De volta à casa de seu pai, o noivo deveria construir para a noiva uma câmara nupcial, na qual passariam a lua de mel.
Se alguém visse o noivo trabalhando para concluir sua câmara nupcial, e porventura lhe perguntasse quando seria o grande dia, ele deveria responder: só meu pai sabe (Mt 24.36).²
Farei uso da simbologia, a seguir, para entendermos melhor a citação acima:
(a) O noivo/filho simboliza Cristo;
(b) a noiva/filha, a Igreja;
(c) o pai, Deus-Pai;
(d) a realização do matrimônio, as bodas do Cordeiro com a Sua amada Noiva;
(e) o preço que o noivo dispunha a pagar para desposar a noiva simboliza a redenção da Igreja por meio do sacrifício do Noivo (Cristo);
(f) o discurso que o noivo devia fazer à noiva, antes de voltar à casa do pai para a edificação da câmara nupcial, simboliza o discurso que Jesus, o Noivo, fez aos seus discípulos (Igreja/Noiva), antes de morrer, ressurgir e ascender ao céu, a fim de preparar lugar para a Noiva (discurso antes de morrer: Jo 13-17; e depois da sua morte, antes de subir ao Pai: Mt 28.16-20; Mc 16.14-20; Lc 24.36-53; At 1.4-11);
(g) a câmara nupcial, um belo quarto para noivo e noiva passarem a lua de mel, era construída na casa do pai do noivo e simboliza o grande dia (arrebatamento) quando o Noivo (Cristo) e a Sua Noiva (Igreja) encontrar-se-ão, e, num período de sete anos (relacionados aos sete dias de lua de mel dos noivos, no casamento hebraico), ela estará protegida pelo Noivo, vindo, após os sete anos, o casamento propriamente dito, ou seja, as Bodas do Cordeiro (a festa com os convidados).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De modo raso, agora dá para sabermos, dentro do contexto cultural da época, o motivo de Cristo ter dito: "vou preparar-vos lugar". Esse lugar começou a ser preparado para a Igreja (a Noiva) no Gólgota, quando Jesus (o Noivo) morreu, em total sacrifício de amor pela Sua Amada, e, vitorioso, ressurgiu. Também é verdade que, antes de retornar ao Pai, prometeu voltar para a Sua Igreja e levá-la para Si (Jo 14.3), onde desfrutaremos de todas as bênçãos maravilhosas que Ele tem para os verdadeiros cristãos que constituem o Povo Santo/a Igreja Vitoriosa/a Noiva Adornada.
A câmara nupcial, para receber a Noiva, começou a ser construída no céu a partir da crucificação do Noivo e se concluirá pouco antes da Sua Volta, quando o Pai der a ordem para buscar a Noiva Amada. Trata-se do período que conhecemos como Dispensação da Graça, a qual dá a todos igual oportunidade (gr. kairós) de receberem a Cristo como Salvador e Senhor de suas vidas, garantindo-lhes uma morada no céu, ao terem seus nomes inscritos no Livro da Vida (embora, dado o livre arbítrio, muitos rejeitam ou rejeitarão tal oportunidade). Em outras palavras, a Porta da Salvação estará aberta enquanto o Noivo estiver preparando lugar para a Sua Noiva. Quando o lugar já estiver preparado, ou seja, ter-se cumprido a Dispensação da Graça, a Porta da Salvação se fechará e Ele levará consigo Sua Noiva, os crentes remidos.
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¹SCHOLZ, Vilson; BRATCHER, Roberto G. Novo Testamento Interlinear grego-português. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2004. p. 406.
²LIÇÕES DA PALAVRA DE DEUS. Grandes Temas do Apocalipse. Rio de Janeiro: Central Gospel, ano 14, n. 53. p. 63 e 64.
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