Reflexão sobre a humildade


INTRODUÇÃO

Tenho percebido que muita gente possui conceitos equivocados de humildade. Nas redes sociais, por exemplo, é muito comum crentes (muitos deles são ou se dizem pastores) irem ao monte orar e depois fazerem selfies para postar nas tais redes, a fim de que Deus e o mundo saibam. Outros praticam obras de assistência social e depois fazem questão de publicar na internet para divulgar seus feitos "espirituais". Parece que nunca leram Mateus 6.1-8. Se bem que alguns desses crentes nem têm intimidade com as Escrituras Sagradas!

Todavia o apóstolo Paulo faz-nos um alerta sobre esse tipo de gente, que já existia desde tempos remotos no meio cristão: "Que ninguém afirme que é melhor do que vocês porque diz ter visões e tem prazer em uma falsa humildade e na adoração de anjos, e dessa forma os impeça de alcançar o prêmio. Esses homens vaidosos têm uma mente muito carnal e orgulhosa" (Cl 2.18).

1 FALSA HUMILDADE

O apóstolo Paulo advertiu a igreja em Colossos contra os ensinadores de heresias gnósticas¹ (Cl 3.8), os quais demonstravam superioridade em relação aos demais cristãos. Daí Paulo ter escrito: "Que ninguém [nenhum dos falsos ensinadores] afirme que é melhor do que vocês [os verdadeiramente cristãos]". Tais falsos ensinadores 1) tinham visões a torto e a direito, 2) sentiam prazer em se achar os mais humildes (o que denota falsa humildade) e 3) incentivavam a adoração aos anjos (angelolatria). Esses eram os motivos pelos quais eles se achavam superiores aos outros crentes colossenses. E o objetivo maléfico desses falsos ensinadores — que, aliás, tinham uma mente carnal e orgulhosa, longe de terem uma mente espiritual e humilde — era impedir os verdadeiros cristãos de alcançar o prêmio da salvação (1Co 9.24; Fp 3.14), como bem alertou o apóstolo dos gentios.

Hoje, em pleno século 21, há  — em maior número que na época de Paulo — muitos pastores, obreiros e crentes, em geral, que se acham os "super pastores" e/ou "super crentes", somente pelo fato de orarem seis horas ininterruptas, orarem no monte, fazerem obras sociais, usarem os dons (de cura, de profecia etc.), entre outras ações. A verdade é que tais obras são vazias, porque aos tais crentes, embora tenham uma lista imensa de dons e boas ações, falta-lhes o mais importante: a humildade.

Lembrei-me de uma ilustração que ouvi certa feita sobre um irmão que alegava possuir os nove dons descritos em 1 Coríntios 12.1-11. Tal crente, totalmente empolgado, foi até seu pastor e relatou como estava alegre em possuir tais dons. Aquele pastor, homem espiritual e experiente, conhecia muito bem suas ovelhas e sabia que esse irmão era atribulado e na igreja onde congregava se achava o bambambam pelo simples fato de ser, segundo ele mesmo, portador de vários dons espirituais. Educadamente, mas com autoridade, o pastor olhou para o irmão e lhe disse: "Amado irmão, Deus acaba de mostrar-me que você não tem nove, mas dez dons!". O irmão, atônito, perguntou ao pastor: "Qual é o décimo dom, pastor? Fiquei surpreso agora!". Ao que o pastor respondeu: "O dom da exaltação". Pergunto: não é isso que temos visto atualmente, a partir de crentes e obreiros/pastores de igrejas neopentecostais, que supervalorizam os dons, em detrimento do fruto do Espírito? (Pare por um instante e leia, em meditação, Gálatas 5.22,23.)

2 COISAS QUE PRECISAMOS SABER SOBRE A (VERDADEIRA) HUMILDADE

a) Dizer: "Sou humilde!" ou: "sou a pessoa mais humilde do planeta Terra!" não faz de ninguém uma pessoa humilde. Quem afirma ser humilde geralmente não é. Sem dizer que quando uma pessoa afirma ser humilde o faz com certo nível de prepotência. Nesse caso, a humildade já era. Dito de outra forma, quem é verdadeiramente humilde não afirma ser humilde; ao contrário, os outros é que dizem: "Ele é uma pessoa humilde!". O sábio rei Salomão escreveu: "Seja outro o que te louve, e não a tua boca; o estranho, e não os teus lábios" (Pv 27.2). Concordando com o terceiro rei de Israel, Blaise Pascal — o pai da máquina de calcular — escreveu algo parecido: "Queres se pense bem de ti? Não fales bem de ti".²

b) Humildade não está necessariamente ligada à roupa que você veste, à como você se veste e à casa em que você mora. Conheço pessoas que usam roupas surradas, algumas que se vestem de maneira simples e outras que moram em casebres, porém são orgulhosas. Por outro lado, sei de pessoas que se vestem bem, têm carros caros e moram em mansões, mas são humildes.

Porém preciso esclarecer que é possível ser pobre e/ou leigo e ser humilde. Aliás, a humildade é mais detectada entre pessoas simples/pobres, apesar da pobreza não ser requisito para que se seja humilde. Da mesma forma, é possível ser rico e/ou culto e ao mesmo tempo ser humilde (riqueza não é antônimo de humildade, é bom que se diga), embora o orgulho, ao que me parece, goste mais de pessoas de classe alta que de pessoas de classe baixa (1Tm 6.9,10,17-19). Entretanto uma coisa é certa: não basta o ser humano dizer que é humilde, é preciso ser humilde. Ser humilde é a pessoa reconhecer, com sinceridade, que é nada mais, nada menos que pó.

c) A pessoa verdadeiramente humilde o é por dentro e não por fora. No conhecido Sermão do Monte Jesus afirmou: "Bem-aventurados [muito felizes] os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus" (Mt 5.3). Com isso aprendemos que a verdadeira humildade implica um espírito humilde (Pv 16.19). Não adianta ter um corpo humilde, se o espírito é exaltado. Em outra ocasião o Mestre nos ensinou a sermos "humildes de coração" (Mt 11.29), não "humildes de corpo", "exaltados de coração" ou coisa parecida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em suma: que aprendamos a ser cada dia mais humildes, em vez de dizermos aos outros que somos humildes. Quem é humilde, de fato, não precisa tocar trombeta para que outras pessoas notem a sua humildade.

____________________

¹Derivado da palavra grega gnosis, o gnosticismo (movimento heterodoxo que ameaçava a igreja cristã no primeiro século), embora possua várias vertentes, ensinava, entre outras heresias, que Cristo não veio em carne — em Sua primeira vinda, como Homem, ao mundo —, mas em espírito. Por essa razão, os gnósticos exaltavam o espírito, em detrimento da matéria/corpo; de modo que, para eles, o espírito estava preso ao corpo e este devia ser depreciado, a fim de que o espírito pudesse ser livre e, portanto, salvo.

²PASCAL, Blaise. Do Espírito Geométrico: Pensamentos. São Paulo: Escala, 2006. p. 94. (Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal - 61).

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